terça-feira, 27 de outubro de 2015

Rapper faz greve de fome para atrair atenção para situação em Angola

O rapper a ativista Luaty Beirão, preso em Angola e acusado de planejar destituição do presidente José Eduardo dos Santos (Foto: Reprodução/ Facebook/ Luaty Beirão)Do hospital em que está internado a 90 km deLuanda, a capital angolana, o rapper e ativista Luaty Beirão chama a atenção internacional para a situação política em Angola. Ele completou 36 dias em greve de fome em protesto por ter sido mantido preso além do tempo previsto pela prisão preventiva, decretada por um crime que diz não ter cometido: tramar a destituição do presidente José Eduardo dos Santos.

Luaty sobrevive com soro intravenoso, mas declarou que não aceita tratamento médico caso entre em coma. Já emagreceu mais de 20 kg, está debilitado e corre risco de desenvolver sintomas irreversíveis. Mas passa “bem” dentro do quadro esperado para quase 40 dias sem alimentação, segundo disse  sua mulher, Monica Almeida.                                                                                                                                    O rapper e outros 12 ativistas foram presos no dia 20 de junho quando se reuniam em uma livraria em Luanda para discutir política. Eles já haviam participado de manifestações que criticavam o governo. Naquele dia, discutiam um livro do escritor angolano Domingos Cruz, adaptado da obra “Da ditadura à democracia”, sobre ação política de resistência pacífica, do autor americano Gene Sharp. Nos dias que se seguiram mais dois ativistas foram detidos.
Angola, o segundo maior produtor de petróleo da África, é governada por José Eduardo dos Santos há 36 anos. Santos assumiu o poder em 1979, quatro anos após a independência do país, ex-colônia de Portugal, e governou a maior parte do tempo durante uma guerra civil, encerrada em 2002.
Com dupla nacionalidade angolana e portuguesa, Luaty estudou engenharia na Inglaterra e economia na França. Seu pai foi o primeiro diretor da Fundação Eduardo dos Santos, ligada ao presidente, mas o rapper sempre criticou problemas sociais de Angola e defendia uma renovação do governo. Desde 2011, quando surgiram as manifestações contra o governo, participava de atos que frequentemente acabavam em detenções.
Prisão
Monica conta que estava em sua casa com a filha de dois anos quando a campainha tocou antes do previsto. Ela viu pela porta que era seu marido e estranhou que ele chegava antes do que o previsto da reunião com os amigos. Na sua rua havia um carro da polícia e outro do serviço de inteligência.
“Abri a porta e vi agentes da polícia altamente armados. Disseram que tinham mandado de busca e apreensão de materiais informáticos, mas o Luaty disse que não tinham e que eu não os deixasse entrar. Então um deles empurrou a porta e entraram em casa armados, levaram várias coisas, inclusive coisas que não eram de informática como revistas e agendas, e não exibiram o mandado. No total, levaram material avaliado em US$ 30 mil”, diz Monica.
Ela conta que não conseguiu ver o marido na semana seguinte, pois não sabia para onde ele tinha sido levado, e que só depois de uma semana descobriu a prisão em que estava “graças ao acaso”, mas que não a deixaram falar com ele. Monica só conseguiu visitar Luaty depois de 23 dias desde sua prisão. “Luaty ficou 90 dias em condições precárias em uma cela de castigo em que os presos ficam 21 dias no máximo. Mudavam os dias da visita várias vezes, sem avisar”, diz.
O que diz o processo
Depois de três meses detido, que é o prazo para detenções provisórias no país, o rapper decidiu iniciar uma greve de fome já que a Justiça não havia se pronunciado sobre o caso. Só em setembro foi feita a denúncia contra o grupo. Semanas depois, o julgamento foi marcado para os dias entre 16 e 20 de novembro.
Os ativistas foram acusados de “crimes preparatórios para a prática de rebelião”. Luaty ainda foi acusado de falsificação de documentos, apreendidos em sua casa. Segundo o documento do Ministério Público do país, o grupo foi preso por estar reunido com o objetivo de preparar “ações tendentes à alteração do poder público em Angola”, o que incluiria “a destituição do que alegam ser uma ditadura e que passaria pela destituição do Presidente da República”.
Manifestantes em Lisboa, Portugal, exibem fotos dos ativistas presos em Angola e pedem sua libertação  (Foto: Ricardo Rodrigues da Silva/ Amnistia Internacional Portugal)Manifestantes em Lisboa, Portugal, exibem fotos dos ativistas presos em Angola e pedem sua libertação (Foto: Ricardo Rodrigues da Silva/ Amnistia Internacional Portugal)
O documento cita o livro de Gene Sharp como uma inspiração para a Primavera Árabe e revoluções em outros países africanos e como um ensinamento para revoltas, manifestações e desobediência civil para “destituir o ditador”. Segundo o Ministério, Domingos Cruz daria um curso de formação de três meses aos ativistas, que depois de derrubar o presidente iriam formar um “Governo de Salvação Nacional” e elaborar uma nova constituição.
'Situação difícil'
A preocupação quanto ao seu estado de saúde aumenta a cada novo dia de jejum. “É uma situação difícil em que me sinto extremamente impotente, porque não existem leis para cumprir os prazos”, diz Monica. “Estou preocupada. Não desejo nem ao meu pior inimigo o que estou passando”.
Da cadeia São Paulo, na capital angolana, os outros 12 ativistas também manifestam preocupação. Na última quarta-feira (21) enviaram cartas ao amigo dizendo que “precisam dele vivo” e pedindo que encerre a greve de fome “para continuarem a luta”.
A Anistia Internacional considera os ativistas do grupo detido como “prisioneiros de consciência”. “É um critério muito específico. Significa pessoas que não cometeram crime nenhum, que foram presas só por demonstrar a opinião delas e que não cometeram nenhum ato de violência contra o Estado ou quem quer que seja”, explica Mariana Abreu, de campanhas da AI para o mundo lusófono.
‘Liberdade Já’
O caso motivou a criação da campanha “Liberdade Já”, com vídeos no YouTube e shows em Luanda, que pede a libertação imediata do grupo. Em um vídeo, escritores, jornalistas, estudantes e artistas pedem de Angola, Portugal e Brasil – entre eles – Chico César e Lourenço Mutarelli – dizem: “defendemos uma Angola onde pensar diferente não seja um crime”. Ainda se manifestaram Chico Buarque, Emicida, Maria Gadú e Gregorio Duvivier.
Também são realizadas vigílias para pressionar pela libertação dos presos em Portugal. Já em Luanda, as vigílias não ocorrem mais, depois que uma delas foi impedida por policiais, que apareceram diante da igreja com tanques de água, cachorros e bombas de gás lacrimogêneo, segundo o relato de Monica Almeida e outros presentes no local. Esses eventos foram classificadas como ilegais pelo governo.
Vigília pela libertação dos presos em Angola é realizada em Lisboa, Portugal (Foto: Ricardo Rodrigues da Silva/ Amnistia Internacional Portugal)Vigília pela libertação dos presos em Angola é realizada em Lisboa, Portugal (Foto: Ricardo Rodrigues da Silva/ Amnistia Internacional Portugal)

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