domingo, 15 de fevereiro de 2015

E das fezes humanas a China está a produzir energia.

O cheiro no ar revela o verdadeiro propósito de uma das estações de processamento de resíduos dos esgotos de Pequim: todos os dias, chegam ali cerca de 200 camiões que descarregam 800 toneladas de excrementos humanos. Além de biogás, são utilizados para produzir adubos.
Heinz-Peter Mang vive obcecado em transformar dejectos humanos em ouro. Com milhões de chineses a mudarem-se para as cidades, este engenheiro ambiental alemão está convencido de que o país está sentado em cima de uma mina de ouro.
Cada vez mais resíduos de esgotos na China estão a ser transformados em biogás e adubo. Em Pequim, algumas estimativas indicam que 6800 toneladas de excrementos humanos são tratadas por dia, o suficiente para encher quase três piscinas olímpicas.
Na última década, a ascensão económica da China tem trazido milhões de trabalhadores para as cidades chinesas, naquela que é a maior migração da história humana. Em 2013, o número de residentes urbanos superou os 731 milhões, ultrapassando a população rural em mais de 100 milhões. Algumas consequências disso: escassez de água no Norte do país e dejectos humanos despejados nos rios no Sul.
Isso está a obrigar os responsáveis pelo planeamento urbano a puxar pela imaginação para tratar os resíduos dos esgotos, atraindo engenheiros como Heinz-Peter Mang para ajudar a aperfeiçoar os modelos. A ideia de utilizar fezes humanas como recursos energéticos ou adubos está a espalhar-se na China, e o engenheiro alemão defende a adopção deste modelo noutras partes do mundo.
“O mundo tem muito a aprender com a China na maneira como está a transformar resíduos em energia”, diz Heinz-Peter, de 57 anos, que agora trabalha com estudantes de licenciatura em projectos de saneamento ecológico na Universidade de Ciência e Tecnologia de Pequim. “Graças à ausência de tabus sobre a reutilização de matéria fecal, cabe à ciência garantir que essa reutilização seja segura e, com cada vez mais pessoas a mudarem-se para as cidades, há aqui uma oportunidade sem precedentes.”
A nível mundial, há uma série de técnicas que são utilizadas para o tratamento de esgotos: algumas cidades despejam-nos nos rios, outras escolhem incinerá-los e outras ainda enterram-nos em valas. A United Utilities Group PLC, a maior empresa britânica no sector da água cotada na bolsa, lida com os esgotos de 1,2 milhões de pessoas em Manchester e opera um centro de reciclagem de águas residuais que trata resíduos humanos capazes de fornecer energia a 25 mil casas.
Apesar de noutras partes do mundo também se estarem a transformar os resíduos fecais dos esgotos em recursos, e de ao longo dos séculos os seres humanos terem encontrado maneiras de reutilizar os seus resíduos, a oportunidade da China para o fazer é incomparável, com as suas cidades a ficarem cada vez mais abarrotadas.
A vida e o trabalho de Heinz-Peter Mang têm-se centrado à volta da China e oferecem uma janela para vermos a evolução do país no que toca à gestão dos seus resíduos. Chegou pela primeira vez a Chengdu, no Sudoeste do país, em 1982, integrado numa delegação alemã que colaborava com a China num projecto de biogás.
Ficou encantado desde o início. A vontade dos chineses de experimentar diferentes formas de tornar os resíduos sustentáveis fascinou Heinz-Peter Mang, na altura um engenheiro ambiental recém-licenciado, que tinha escrito uma tese sobre a utilização sustentável dos resíduos presentes nas águas residuais.
Nos anos 1980, trabalhou em África, defendendo o modelo chinês de gestão dos resíduos. Nos anos 1990, trabalhou em Cuba, usando os modelos chineses para ajudar este país a criar um sistema que utiliza o estrume dos porcos para cultivar alimentos para os próprios porcos, depois de a Rússia ter cortado as exportações de rações.
Enquanto isso, o país mais populoso do mundo desenvolveu um modelo para ser utilizado em larga escala em quintas. Inicialmente, as fezes humanas não eram aproveitadas, mas actualmente há 40 milhões de casas rurais por toda a China com um tanque de retenção para dejectos tanto humanos como de animais, que são parcialmente higienizados através da privação dos sólidos de oxigénio. O que sobra é então convertido em adubo líquido para as quintas.
Negócio florescente
O que está a acontecer em Pequim é uma versão industrial e a uma escala maior deste modelo, diz Heinz-Peter Mang, que vive na capital chinesa há dez anos. Por toda a cidade, cuja população duplicou para 21 milhões na última década, a média anual de quantidade de resíduos humanos processados pode continuar a aumentar 200 a 300 toneladas por dia, refere Zhang Jiang, director-geral da Beijing Century Green Environmental Engineering & Technology, que opera estações de processamento de fezes humanas. Espera-se que o tratamento de resíduos seja uma área de negócio florescente, diz Zhang.


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