É esperado para esta quarta-feira o pacote de medidas anticorrupção que o governo da presidente Dilma Rousseff deve apresentar ao Congresso em resposta às recentes manifestações populares.
O pacote deve reunir projetos já em tramitação. Além disso, nos últimos dias, ministros de governo indicaram que ele incluirá algumas promessas de campanha de Dilma.
Durante a campanha, ela prometeu tornar crime o caixa-dois (atualmente apenas um "ilícito eleitoral"), permitir que bens adquiridos sem a comprovação de procedência lícita sejam confiscados, tornar crime o enriquecimento sem justificativa de agentes públicos e ser mais eficaz e ágil nas investigações de desvio de recursos e de agentes que tenham foro privilegiado.
Mas medidas como essas terão eficiência no combate à corrupção?
A BBC Brasil fez essa pergunta a especialistas no assunto, e a resposta deles é que, apesar de as promessas feitas darem passos importantes contra desvios de dinheiro público e recebimento de propina na esfera pública, elas devem ser complementadas por medidas que englobem o controle de gastos de campanha, prevenção da corrupção, fiscalização e ações constantes de controle, que independam da pressão das ruas.
"São todas medidas positivas, porque as leis atuais não criminalizam o caixa-dois (arrecadação não declarada de dinheiro em campanhas) ou o enriquecimento não justificado", diz o juiz Márlon Reis, um dos idealizadores da lei da Ficha Limpa.
"Mas para combater frontalmente a corrupção é preciso uma reforma do modelo de financiamento de campanha, que atualmente privilegia as grandes empresas contribuintes, que elegem bancadas inteiras e decidem questões orçamentárias. O que vemos (nos desvios apurados pela operação) Lava Jato é padrão de comportamento, e não exceção."
Gastos eleitorais
Polêmico, o tema de financiamento divide congressistas e é um dos entraves a uma reforma política no país. Reis é defensor de um projeto de lei em tramitação que prevê financiamento misto público-privado, vetando contribuições empresariais mas que estimule contribuições individuais de até R$ 700 a campanhas.
Além disso, o juiz argumenta que o excessivo número de candidatos às cadeiras no Congresso facilita o descontrole de gastos em campanhas e eventuais desvios.
Nesta terça-feira, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também apresentou a Dilma propostas de combate à corrupção, algumas semelhantes às prometidas pela presidente. Outras propostas da entidade incluem o fim do financiamento empresarial a candidatos e partidos, limites para gastos eleitorais, redução "drástica" dos cargos nomeados no serviço público e leis que profissionalizem a administração pública.
O presidente da OAB, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, disse que Dilma foi receptiva às propostas e se comprometeu a incluir algumas (não especificadas) no pacote governamental, segundo a Agência Brasil.
Além das leis
Mas, para o promotor de Justiça Roberto Livianu, não basta acrescentar novas leis ao Código Penal para aprimorar a punição de corruptos.
"Dificilmente a Justiça mantém alguém preso (por crimes relacionados à corrupção)", argumenta o promotor, autor de Corrupção e Direito Penal – Um Diagnóstico da Corrupção no Brasil.
"O que vemos em Curitiba (onde são realizadas as investigações da operação Lava Jato e onde estão detidos os suspeitos de envolvimento com o esquema) é fruto de um trabalho bem-feito e de um juiz corajoso. Não podemos dizer que essas punições ocorram no Brasil de modo geral."
Livianu opina que são necessárias "políticas permanentes" de controle e governança, que envolvam fortalecimento de órgãos de controle e integração do trabalho de governo, Receita Federal e Ministério Público, por exemplo.
Natalia Paiva, diretora da organização Transparência Brasil, tem raciocínio semelhante.
"Medidas punitivas não faltam, o que falta é visão estratégica e prevenção da corrupção - por exemplo, limitando a nomeação de cargos", diz. "Com essa prerrogativa, o Executivo coopta (congressistas) da base aliada, e o Legislativo deixa de fiscalizá-lo."
O mesmo raciocínio, diz ela, se aplica a autarquias e empresas estatais, muitas vezes comandadas por "pessoas cujos principais interesses são partidários".
Os especialistas consultados pela BBC Brasil também defendem que o governo regulamente a chamada Lei Anticorrupção - promovida pelo governo no calor dos protestos de 2013 para responsabilizar empresas pela prática de atos contra a administração pública. A medida foi aprovada, mas há um ano e meio aguarda a regulamentação, para definir como a lei será aplicada.
"O governo não pode agir em espasmos, apenas quando o povo vai às ruas", critica Livianu.
Em sua posse, em janeiro, o ministro da Controladoria-Geral da União, Valdir Moysés Simão, disse que faltavam os "últimos detalhes" de uma regulamentação que é "complexa", mas "prioritária".
Momento oportuno
De volta ao pacote anticorrupção do governo, os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e Relações Institucionais, Pepe Vargas, se reuniram na terça-feira com líderes da base aliada no Congresso em busca de apoio ao projeto.
Para o cientista político Fernando Abrucio, professor da FGV, o momento político é oportuno para que medidas do tipo sejam aprovadas pelo Legislativo.
"Todo o sistema político está em situação complicada (perante o público), e uma não aprovação complicaria ainda mais, já que uma das principais reivindicações dos protestos é o combate à corrupção", argumenta.
Ele cita como exemplo o escândalo dos Anões do Orçamento, em 1993, quando uma CPI investigou dezenas de parlamentares em um esquema de fraudes e propinas na Comissão de Orçamento do Congresso Nacional. O momento era de grande indignação pública.
"Na mesma época, foi aprovada a nova lei de licitações, que foi importante para o setor público. Agora também temos um Congresso acuado (perante as investigações de diversos parlamentares pela Operação Lava Jato), o que favorece esse tipo de lei."
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