domingo, 8 de novembro de 2015

Eduardo Cunha afirma que não é o dono do dinheiro em contas na Suíça

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, apresentou os principais argumentos que usará para tentar convencer os integrantes do Conselho de Ética de que não tem nenhuma conta no exterior em nome dele.
Eduardo Cunha negou as acusações de corrupção e lavagem de dinheiro. Admitiu que acumulou um patrimônio no exterior nunca declarado ao Banco Central e à Receita Federal, mas alegou que tudo foi fruto de transações lícitas de comércio internacional e aplicações em bolsas de valores estrangeiras, antes de iniciar a carreira política. Cunha não apresentou comprovantes desses negócios. Ele disse também que, depois, abriu mão da titularidade do patrimônio, tornando-se apenas seu beneficiário.
Cunha falou que abriu o negócio de exportação na década de 80 com a venda de produtos brasileiros na África.
JN: Quais eram os produtos que o senhor comercializava?
Cunha: Eram produtos diversos alimentares, de natureza alimentar, que eram basicamente produtos de consumo rápido. Então consequentemente eu fazia trading , comércio exterior desse tipo de produto. Numa época onde teve muita proeminência, que eu comercializei muito, é o país  que hoje é a República do Congo.
JN: Presidente, o senhor tem algum documento que prove esses negócios, a compra aqui no Brasil a companhia que usou pra levar esses produtos e lá fora?
Cunha: A companhia era uma companhia constituída fora do Brasil.  Obviamente eu estou falando de assunto de 30 anos atrás, eu não  tenho documento nem contabilidade de assunto dessa  natureza e essa empresa já foi encerrada, desfeita.
Depois, Cunha disse que multiplicou o dinheiro da venda de mercadorias aplicando em bolsas de valores de Nova York e países da Europa, sempre no exterior, sem nunca ter mandado dinheiro do Brasil para fora.
JN: O  senhor tem algum comprovante dessas negociações dessa época, presidente?
Cunha: Isso talvez, se retroagir ao banco que fez isso, talvez possa tentar se obter alguma coisa. Eu posso até tentar.
Cunha diz que seu patrimônio no exterior chegou a US$ 4 milhões, que foram concentrados em uma conta no nome dele no banco Merril Lynch, em Nova York, até 2003. Dez anos antes, Cunha entrou para a vida pública como presidente da Telerj.
JN: O senhor chegou a declarar isso à Receita Federal e ao Banco Central?
Cunha: Você não tinha naquela época uma legislação clara como você tem hoje sobre lucros no exterior ou sobre a obtenção de ganhos no exterior.  Não houve uma evasão de divisa, uma transferência de recursos do Brasil para lá, para ser utilizado. O que houve foi ganhos no exterior que não foram declarados aqui.
Em 2003, Cunha decidiu repassar o dinheiro para ser administrado por especialistas em dois “trusts” constituídos na Escócia com conta na Suíça. Trust é um instrumento legal em muitos países. O interessado assina um acordo para transferir a propriedade de bens ou valores para serem administrados em favor de um ou mais beneficiários. Depois, Cunha enviou o dinheiro dos dois trusts para um outro aberto em Cingapura, também com contas na Suíça.
Este ponto é importante para Cunha, porque ele afirmou na CPI da Petrobras que não tinhas contas no exterior, e mentir aos colegas é motivo para cassação de mandato. Cunha vai tentar convencer o Conselho de Ética da Câmara de que ser beneficiário de um fundo trust não significa que ele seja o dono das contas.
JN: Mas de qualquer forma, presidente, o senhor é o dono do dinheiro?
Cunha: Não, eu não sou o dono do dinheiro, não. Eu sou usufrutário em vida, nas condições determinadas.
Mas o senhor não acha que para a população brasileira de uma maneira geral é difícil não associar esse dinheiro ao senhor, ainda que o senhor seja a pessoa que vai usufruir, beneficiário? Para a população, de uma maneira geral, o senhor é o dono do dinheiro?
Cunha: Não, veja bem: primeiro lugar, a origem é lícita. Em segundo lugar, eu abri mão de ser o dono do dinheiro no momento em que eu contratei o trust. Se eu quisesse continuar como dono do dinheiro, eu teria não só mantido a conta, tido a conta em meu nome com gestão livre, como eu teria, talvez, repatriado ou declarado aqui.
Cunha encomendou um parecer jurídico sobre sua situação financeira a advogados na Suíça para comprovar que não é o titular das contas no país, e portanto não teria mentido na CPI da Petrobras.
De fato, o documento afirma que ele "não é individualmente ou conjuntamente titular das contas". Mas o mesmo documento não deixa dúvidas de que o dinheiro é do presidente da Câmara, uma vez que "a lei suíça determina que o ‘beneficial owner’ é aquele que tem poder efetivo para dispor dos ativos do ponto de vista econômico”.
O critério decisivo é, portanto, a possibilidade de dispor dos ativos. “Considerando a possibilidade de revogar o trust, Eduardo Cunha é, ao menos de acordo com o direito administrativo suíço, o ‘beneficial owner’ dos fundos depositados no banco Julius Baer”.
JN: Agora, presidente, por que o senhor não declarou ao Banco Central e à Receita Federal o dinheiro depositado nesses trusts?
Cunha: Porque o Banco Central eu teria que ter declarado se eu tivesse feito transferência do Brasil para lá. Para isso tem que ter o registro no Banco Central. E não houve. O recurso foi originado fora.
O Banco Central afirma em sua página na internet que a declaração é obrigatória e que deverá ser feita sempre em nome do beneficiário residente.
Eduardo Cunha considera que a única conta que deveria ter sido declarada com possível pagamento de impostos é a que está em nome de sua mulher, Claudia Cruz.
Cunha: Veja bem, há uma discussão sim, essa discussão pode afetar a conta que foi aberta, que era mantida pela minha esposa, já que o trust que se ocupava da educação, ele não poderia fazer o pagamento direto das despesas. Ele poderia somente reembolsar pela contratação. Então precisava ser pago primeiro para depois ser reembolsado. Então o trust reembolsou a minha esposa das despesas que foram efetuadas de educação. Então, consequentemente, você pode ter uma discussão que esses recursos que foram reembolsados poderia ser um rendimento não declarado.
JN: Deixa eu contrapor duas posições diferentes em relação ao argumento do senhor, presidente. O Banco Central afirma que em todos os casos é preciso fazer uma declaração do beneficiário residente. O senhor é o beneficiário desses dois fundos. Agora apenas do Netherton, que é o que permanece. E também existe uma visão por parte do Ministério Público de que é preciso fazer a declaração do trust justamente para que esse trust não seja usado para esconder ativos no exterior.
Cunha: Veja bem, eu discordo dessa interpretação, não sou só eu, os advogados também discordam disso. No caso, nós pegamos o advogado na própria Suíça, que fez seu parecer com relação à situação contratual existente. Esse parecer está em inglês, com suas documentações todas, tem sua tradução em português, que está muito claro que eu não sou proprietário nominal dos ativos, que eu não detenho conta, obviamente eu não detendo conta e não detendo ativo, eu não tenho que declarar. Então, essa é uma discussão, o trust é muito antigo no mundo.
O presidente da Câmara respondeu também sobre o depósito de 1,3 milhão de francos suíços, cerca de R$ 5 milhões, em uma de suas contas pelo lobista João Augusto Henriques, preso na Operação Lava Jato em setembro.
Henriques disse em depoimento que fez o depósito na conta de Cunha sem saber que pertencia a ele, a pedido do economista Felipe Diniz, filho do deputado Fernando Diniz, do PMDB, que morreu em 2009. Para o Ministério Público, este depósito é pagamento de propina pela participação em negócios da Petrobras. Cunha disse que o depósito deve ter sido o pagamento de um empréstimo que fez ao deputado Fernando Diniz em 2003, antes de constituir o trust.
JN: Qual foi o valor? 
Cunha: Deve ter sido em torno, naquela época, em torno de um milhão, mais ou menos.
 
JN: Mas esse dinheiro o senhor emprestou pra ele lá fora? 
Cunha: Lá fora.
 
JN: E ele teria usado esse dinheiro lá fora?
Cunha: Ele teria usado lá fora.
JN: O senhor tem algum comprovante desse empréstimo?
Cunha: Não, eu posso até tentar, se eu conseguir remontar o que aconteceu nesse período, tentar buscar alguma coisa, mas nesse momento comigo não tenho.
JN: Agora, presidente, o senhor nunca chegou a cobrar esse dinheiro? Porque, de fato, é muito dinheiro, um milhão de dólares...
Cunha: Ele morreu! Quando ele estava vivo, sim, obviamente a gente falava sobre isso. E ele tinha, sim, no momento antes dele morrer, ele tinha, sim a orientação, se por ventura quando ele tivesse condição de me pagar, de como ele deveria fazê-lo. Ele tinha, sim, a conta, ele tinha o trust, ele sabia que eu deveria previamente avisar o trust e o trust deveria concordar.
Cunha disse que só soube do depósito em 2012, um ano depois de entrar na conta, e que nunca mexou no dinheiro.
O trust não aceitou o depósito e não o movimentou. Nós temos os extratos, ele continua na moeda local, sem qualquer tipo de movimentação ou aplicação, ficou parado anos inteiros na mesma moeda colocado e depositado porque o trust não tinha o contrato comigo de administração desse ativo. O trust não tendo esse ativo contratado, ele não o reconhece e ele não reconhecendo, ele não mexe.
Investigadores da Lava Jato fizeram várias ressalvas à versão de Cunha. Disseram que ele tenta ocultar que usou contas no exterior para esconder dinheiro. Eles veem indícios de que Cunha cometeu crimes de sonegação fiscal, evasão de divisas e lavagem de dinheiro por ter mantido recursos no exterior.
Sobre o argumento de Cunha de que não precisaria declarar ao Banco Central o dinheiro lá de fora, disseram que isso não é importante do ponto de vista penal. Que mesmo sendo só beneficiário, como Cunha diz, os documentos mostram que ele é o dono do dinheiro, que as contas estavam interligadas e que houve movimentação com cartão de crédito em uma delas.
JN: O senhor se arrepende de não ter declarado essas contas? Hoje o senhor não teria tão menos problemas?
Cunha: Não, o problema está aí, talvez a única coisa que a gente possa ter se arrependido é não ter feito uma gestão mais forte para descoberta desse recurso que o trust teve. Talvez é a única coisa que eu possa me arrepender, porque é uma coisa que eu não contava como fazendo parte do patrimônio e como não estava sendo utilizado, seria uma coisa que a gente achava que no tempo acabaria sendo reclamada ou poderia ser resolvida, enfim.
Cunha se refere ao 1,3 milhão de francos suícos que estão na conta na Suíça e que ele diz que até hoje não ter certeza se é o pagamento do empréstimo que fez ao deputado Fernando Diniz.
Em abril deste ano, autoridades suíças bloquearam mais de 2 milhões e 400 mil francos suíços, o equivalente a mais de R$ 9 milhões, nas contas atribuídas a Eduardo Cunha.

Nenhum comentário:

Postar um comentário