A quebra dos sigilos bancário e fiscal de 95 pessoas ou empresas na investigação sobre transações financeiras no antigo gabinete de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) na Assembleia Legislativa do Rio pode ter desdobramentos em outras apurações no entorno do atual senador.
Os braços potenciais incluem as milícias, a condução do PSL no estado (sob comando de Flávio), a primeira-dama Michelle Bolsonaro e a ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro.
A possibilidade de a quebra dos sigilos esclarecer episódios relacionados a esses grupos surge de ex-assessores de Flávio que passaram pelo gabinete dele entre 2007 e 2018, mesmo período em que lá esteve Fabrício Queiroz, policial militar aposentado pivô da investigação devido a uma movimentação financeira atípica de R$ 1,2 milhão em sua conta bancária.
Queiroz indicou para o gabinete do então deputado estadual duas parentes de um ex-PM acusado de comandar uma das milícias mais violentas do Rio. Flávio, por sua vez, usou suas assessoras na Assembleia para tocar a própria campanha ao Senado e estruturar o PSL no estado.
Ao mesmo tempo, o gabinete de Flávio abrigou parentes de Ana Cristina Siqueira Valle, segunda ex-mulher do presidente com quem ele teve um rompimento atribulado em 2008 —período que inclui a quebra dos sigilos.
Outro ponto que pode ser aprofundado é o pagamento de R$ 24 mil feito por Queiroz à primeira-dama. O presidente afirma que o repasse é parte da quitação de um empréstimo de R$ 40 mil dado ao PM aposentado. A quebra de sigilo pode esclarecer esse ponto —Michelle, diferentemente do marido, não tem foro especial e pode ser investigada pelo Ministério Público do Rio.
O pedido de quebra dos sigilos bancário e fiscal foi o primeiro passo judicial da investigação após um relatório do governo federal, há quase 500 dias, ter apontado a movimentação suspeita de R$ 1,2 milhão na conta de Queiroz.
Além do volume movimentado na conta de quem era apresentado como motorista de Flávio, chamou a atenção a forma com que as operações se davam: depósitos e saques em dinheiro vivo. As transações ocorriam em data próxima do pagamento de servidores da Assembleia Legislativa, onde Flávio exerceu o mandato de deputado por 16 anos (2003-2018) até ser eleito senador.
Queiroz já admitiu que recebia parte dos valores dos salários dos colegas de gabinete. Ele diz que usava esse dinheiro para remunerar assessores informais de Flávio, sem o conhecimento do então deputado.
Esse posicionamento serviu como uma das bases para os pedidos de quebra de sigilo de todos os ex-servidores do gabinete de Flávio.
Isso inclui servidores que circularam também pelos gabinetes do próprio Jair Bolsonaro, quando exercia mandato na Câmara dos Deputados, como do vereador Carlos (PSC-RJ).
Também estão no alvo Raimunda Veras Magalhães e Danielle Mendonças da Costa da Nóbrega, mãe e mulher do ex-PM Adriano da Nóbrega, acusado de comandar a milícia de Rio das Pedras e Muzema --onde dois prédios desabaram matando 24 pessoas.
A quebra de sigilo de ambas pode aprofundar a apuração sobre a quadrilha, caso confirmada a suspeita de investigadores de que familiares eram usados como laranjas de milicianos. Confirmada essa tese, a investigação sobre essa organização criminosa entra de vez no gabinete de Flávio.
O senador também tinha duas ex-assessoras de confiança no gabinete que se tornaram as responsáveis financeiras por sua campanha ao Senado, de boa parte dos candidatos do PSL no Rio de Janeiro e do próprio diretório regional, comandado por Flávio.
Valdenice de Oliveira Meliga foi tesoureira da campanha do senador e a contador Alessandra Ferreira de Oliveira, responsável financeira do PSL-RJ.
Como a Folha revelou em fevereiro, a empresa de Alessandra e parentes de Valdenice foram beneficiados com verba pública do fundo eleitoral. A empresa da contadora, também tesoureira do PSL-RJ, recebeu R$ 55,3 mil de 42 candidatos, sendo a maioria mulheres que só receberam a verba do diretório nacional na reta final da eleição.
Há ainda nove parentes de Ana Cristina, ex-mulher de Bolsonaro com quem ele teve um rompimento atribulado em 2008.
À época, ela acusou o hoje presidente de ter sumido com um cofre de joias e dinheiro. O Itamaraty afirma também ter ouvido dela em Oslo, onde Ana morou após o rompimento, que Bolsonaro a ameaçara de morte durante o processo de separação.
Tanto Bolsonaro como Ana negaram o roubo e as ameaças no ano passado, durante a campanha, quando os relatos foram revelados. A ex do presidente concorria a deputada federal usando o sobrenome da família do ex-marido —ela não foi eleita.
A evolução patrimonial de Flávio Bolsonaro também está sob a mira dos investigadores. O Ministério Público vê indícios de lavagem de dinheiro nas características de 19 operações imobiliárias realizadas pelo senador —todas reveladas pela Folha em janeiro de 2018.
O senador afirmou que é alvo de uma investigação ilegal e que o caso tem sido usado para atingir o governo do presidente Jair Bolsonaro. Ele nega as irregularidades de que é suspeito.
A defesa de Queiroz também nega os crimes apurados pelo Ministério Público do Rio e diz que a decisão para afastar os sigilos são ilegais, bem como a condução de toda a investigação da Promotoria.
Valdenice e Alessandra afirmaram que não foram notificadas da decisão de quebra de sigilo, mas que estão tranquilas em relação ao caso.
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