BRASÍLIA - Mais de um ano após ter sido indiciado sob suspeita de lavagem de dinheiro na Operação Timóteo, o pastor Silas Malafaia voltou à mira dos investigadores. Em documento sigiloso obtido pelo GLOBO, a Procuradoria-Geral da República ( PGR ) solicitou ao Superior Tribunal de Justiça ( STJ ) o aprofundamento das investigações contra o religioso, sob o argumento de que existem provas de que Malafaia recebeu "vultosos recursos oriundos de um dos principais investigados" e que há indícios do crime de lavagem.
A manifestação é assinada pelo vice-procurador-geral da República, Luciano Maia, e foi apresentada ao STJ no último dia 10 de janeiro, em resposta a um pedido da defesa de Malafaia, no qual o pastor solicitava que o seu indiciamento fosse anulado e que as investigações contra ele fossem arquivadas. Malafaia passou a ser investigado na Operação Timóteo depois que a Polícia Federal rastreou um cheque de R$ 100 mil dado ao pastor pelo advogado Jader Pazinato, suspeito de desviar royalties da mineração e pagar propina a agentes públicos. Na época que os fatos vieram à tona, Malafaia argumentou publicamente que o pagamento era uma doação, por ter feito uma oração e dado uma benção ao advogado. O pastor foi alvo de condução coercitiva na deflagração da operação, em dezembro de 2016. Os investigadores suspeitam que o pagamento pode se tratar de uma operação de lavagem de dinheiro para legalizar recursos de origem criminosa.
A investigação, que começou na primeira instância da Justiça Federal de Brasília, foi remetida para o Superior Tribunal de Justiça em janeiro do ano passado, depois que surgiram suspeitas de que o grupo investigado fez pagamentos a familiares de um conselheiro do Tribunal de Contas dos Municípios do Pará, Aloísio Chaves, para que ele não criasse problemas na fiscalização dos contratos do grupo criminoso com prefeituras paraenses. Pelo cargo, Aloísio Chaves possui foro privilegiado.
A PGR rebate os argumentos de Malafaia e diz que não é possível arquivar as investigações contra ele, porque sua conduta apresenta indícios de crime de lavagem de dinheiro. Pelo contrário: diz que é necessário aprofundar o inquérito. Para isso, o vice-procurador-geral solicita que seja concluída a análise das buscas e apreensões realizadas em dezembro, que podem elucidar os motivos de Pazinato ter repassado R$ 100 mil ao pastor. O escritório de advocacia de Pazinato foi alvo de buscas na ocasião.
— A situação do requerente (Malafaia) não se encaixa nas hipóteses em que se admite o trancamento de inquérito policial, pois não há manifesta aticipidade (ausência de crime) de sua conduta. Há, ao contrário, prova de que o requerente, em circunstâncias ainda não totalmente elucidadas, foi beneficiário de vultosos recursos oriundos de um dos principais investigados da assim denominada Operação Timóteo — escreveu a Procuradoria-Geral da República.
O argumento da defesa de Malafaia é que ele não sabia que os recursos poderiam ter origem ilícita. O pastor argumenta que esse fato se comprova porque ele depositou o cheque diretamente em sua própria conta corrente. Para a PGR, isso é justamente o que poderia caracterizar o crime: tentar dar aparência legal a recursos cuja origem seja criminosa.
— Não cabe afastar prematuramente, como almeja o requerente, a hipótese investigativa (...) de a transferência de valor em seu favor consubstanciar, em verdade, ato típico de lavagem— sustentou o vice-procurador-geral.
A Polícia Federal e a PGR, porém, têm encontrado dificuldades para dar andamento ao inquérito desde que foi remetido ao STJ. Sob relatoria do ministro Raul Araújo, o caso passou a andar a passos lentos. Em fevereiro, a PGR pediu ao ministro que desmembrasse o inquérito, mantendo no Superior Tribunal de Justiça apenas a linha de apuração dos crimes envolvendo o conselheiro do TCM do Pará. O restante da investigação, que envolve suspeitas de atuação do grupo criminoso junto a prefeituras e junto ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), seria remetida para o Tribunal Regional Federal da 1ª Região --incluindo a parte referente a Silas Malafaia. Mais de um ano após o pedido, o ministro Raul Araújo ainda não desmembrou o caso.
Outra dificuldade é a sobrecarga da Superintendência da PF no Distrito Federal, a quem cabe a análise do material apreendido. Com grandes operações em sua jurisdição, a superintendência tem pendentes dezenas de inquéritos relacionados a fundos de pensão e até hoje não conseguiu terminar de analisar diversos itens de buscas e apreensões feitas há mais de um ano.
É o caso da Operação Timóteo. O vice-PGR escreveu que "o material obtido com as buscas e apreensões ainda não foi analisado" e que somente após este trabalho é que será possível confirmar ou afastar as suspeitas contra Malafaia. O vice-PGR, em sua manifestação, diz que poderá solicitar novas diligências contra o pastor, após concluída essa fase da análise, e também reforça ao ministro Raul Araújo a necessidade de desmembrar o inquérito. Há ainda em andamento negociações de delação premiada no caso, que podem ajudar a alavancar as investigações.
DEPOIMENTO
Quando foi ouvido pela Polícia Federal em dezembro de 2016, o pastor Silas Malafaia foi questionado sobre seu patrimônio e seus rendimentos, assunto que já causou muita polêmica para o pastor. Em 2013, a revista norte-americana Forbes estimou o patrimônio do pastor em US$ 150 milhões, inserindo-o no ranking dos pastores mais ricos do Brasil. Na época, Malafaia rebateu a revista e disse que seu patrimônio era de R$ 6 milhões.
No depoimento, Malafaia afirmou que possui rendimento mensal de aproximadamente R$ 100 mil, devido às atividades de pastor evangélico, conferencista, escritor de livros religiosos e dono de uma editora de livros gospel. O pastor explicou à PF que os rendimentos não têm um valor exato pois dependem da quantidade de palestras e dos direitos autorais dos livros vendidos.
Sobre o patrimônio, Malafaia disse possuir quatro imóveis no Rio de Janeiro, ocupados por ele e por seus filhos. Também revelou ter comprado um apartamento em Boca Raton, na Flórida (EUA) --região de luxo, próxima à praia. Segundo o pastor, o imóvel foi financiado por 30 anos, com prestações de US$ 1.300, e foi declarado às autoridades brasileiras.
Descontente com o fato de ter sido indiciado por lavagem e estar respondendo à investigação, Malafaia entrou com um pedido no STJ em 29 de novembro para tentar arquivar o inquérito. No documento, sua defesa argumenta que as investigações lhe causaram dano "evidente, grave e injustificável", queixa-se do seu "constrangimento de ter que explicar o ocorrido" e ao fato de ser ver "exposto de forma negativa à opinião pública".
— O requerente recebeu uma doação de um fiel por meio de um cheque. Depositou o cheque em sua conta corrente, gastou o valor recebido com suas despesas regulares, declarou os valores ao Fisco e pagou o competente tributo sobre o valor recebido. Nada existe nessa sequência de atos que indique a conduta de lavagem de dinheiro — diz a petição, assinada pelo advogado Jorge Vacite Neto.
Procurado pela reportagem para comentar o caso, o advogado de Malafaia não retornou aos contatos. O advogado de Jader Pazinato, Daniel Gerber, afirmou que só poderia se manifestar nos autos.
Em nota, a defesa de Aloisio Chaves afirmou que ele "até o momento, não foi ouvido, embora tenha se colocado à disposição dos órgãos de investigação. As meras suspeitas que constam da investigação são falsas e serão dissipadas assim que ele for chamado a se explicar".