Histórias como a da Lua são difíceis de contar. Muitas teorias tentam remontar como o satélite que hoje encanta os terráqueos nasceu. A versão mais aceita por cientistas diz que, há 4,45 bilhões de anos, Theia, um corpo do tamanho de Marte, se chocou com a Terra. Os dois objetos eram, à época, planetas em formação – ou protoplanetas – viajando velozmente por um Sistema Solar que tinha apenas 150 milhões de anos. Na batida, um pedaço de rocha teria se desprendido. Era a Lua.
O problema é que a chamada Hipótese do Impacto Gigante deixa alguns pontos sem explicação. Segundo vários modelos, esse “acidente espacial” deveria gerar um satélite cuja constituição tivesse 60% de similaridade com Theia. Como explicar, então, o fato de a composição lunar ser quase idêntica à terrestre? “Essa semelhança representa um grande desafio para o modelo-padrão do impacto gigante porque entra em conflito com questões relacionadas ao manto do planeta que atingiu a Terra”, explica a astrofísica Alessandra Mastrobuono-Battisti. Pesquisadora do Instituto Israelense de Tecnologia, ela é a principal autora de um estudo que pode ter elucidado o mistério, publicado na revista Nature.
A cientista explica que as semelhanças entre “mãe” e “filha” são detectadas, especialmente, nos isótopos, versões dos elementos da tabela periódica com quantidades de nêutrons diferentes dos originais. Para saber o que realmente ocorreu, a equipe de Mastrobuono-Battisti fez diversas simulações em computador das grandes colisões sofridas por 80 protoplanetas do Sistema Solar inicial. Além desses corpos, que tinham até 10% do tamanho da Terra, os cientistas incluíram no modelo objetos menores, os planetesimais, que tinham mais ou menos um quarto da massa terrestre.
Os cálculos mostraram que há uma possibilidade considerável de que Theia não tivesse uma assinatura química tão diferente da terrestre, como estudos anteriores sugerem, mas bastante parecida. “Descobrimos que uma fração significativa de todos os corpos que atingiram os planetas tinha composições semelhantes às dos seus alvos”, diz Mastrobuono-Battisti. Essa proporção variou de 20% a 40% nas simulações, probabilidade 10 vezes maior do que as estimativas de trabalhos anteriores.
Em outras palavras, a Lua se parece tanto com a Terra porque Theia também se parecia. “Nossos resultados têm potencial para resolver a aparente contradição de a Terra e a Lua serem tão parecidas entre si e tão diferentes de outros corpos do Sistema Solar. Isso pode remover o principal obstáculo para explicar a origem do satélite, além de aliviar algumas dificuldades para outros cenários que já foram sugeridos”, conclui a pesquisadora.
Sem certezas Como as palavras da astrofísica deixam claro, o mistério ainda não foi totalmente resolvido. O estudo apenas mostra a possibilidade de a Terra ter se chocado, no início de sua existência, com um corpo parecido com ela. Para Jorge Marcio Carvano, da Coordenação de Astronomia e Astrofísica do Observatório Nacional, a pesquisa apresenta resultados que, de certa forma, eram esperados. “A questão é que já se imagina, pela composição da Lua, que o corpo que a gerou tem a constituição parecida com a da Terra”, diz, ressaltando ainda que algumas simulações apontaram o satélite como derivado principalmente do Planeta Azul.
O raciocínio, Carvano explica, é que, se um corpo se formou longe do nosso planeta, ele deveria ser completamente diferente em sua constituição. “Mas isso não bate com a semelhança constatada nas análises (da composição lunar), o que levanta o tal paradoxo. A questão é que o processo de formação inicial do Sistema Solar foi bastante violento e não se sabe ao certo o que aconteceu”, afirma. “Essas novas simulações oferecem resultados diferentes e apenas mostram tendências do que realmente ocorreu. Mas, por enquanto, é impossível saber qualquer coisa com certeza”, conclui.
A questão é tão complexa que a mesma edição da revista Nature traz outro estudo em que uma equipe de cientistas da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, contraria a explicação de Mastrobuono-Battisti. Segundo essa outra análise, o impacto entre Theia e a Terra teria sido tão violento a ponto de originar uma densa nuvem de detritos terrestres, que, mais tarde, deram origem à Lua.
Para formular a teoria, os autores analisaram tungstênio da Terra e da Lua e depois rastrearam quanto de um isótopo especial desse elemento foi formado em cada corpo. Segundo eles, o planeta tem menos tungstênio-182 do que o satélite, o que pode ter resultado de uma atração maior da Terra pelos destroços mais pobres desse elemento na nuvem surgida da grande colisão. O artigo dos americanos, portanto, continua trabalhando com a ideia de que Theia era mesmo quimicamente diferente da Terra. No texto, os autores reconhecem que a teoria precisa de mais estudos, mas reforçam o quão violento era o Sistema Solar em seus primeiros anos de vida.
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