sexta-feira, 31 de agosto de 2018

“Ele estava orgulhoso”, diz mãe de menino que cometeu suicídio após sofrer bullying por ser gay

O debate sobre bullying e suicídio volta à tona após a morte do menino americano Jamel Myles, de 9 anos. Ele teria tirado a própria vida, na última quinta-feira, dia 23, poucos dias após ter dito a seus colegas de classe que era gay, segundo sua mãe, Leia Pierce. Em entrevista ao jornal “Denver Post”, ela contou que atribui a atitude desesperada do filho ao deboche e aos comentários cruéis de outras crianças da Escola Fundamental Joe Shoemaker, em Denver, nos EUA.
Leia Pierce relatou ao jornal que, durante as férias de verão, o menino disse a ela pela primeira vez que era homossexual. Logo depois, ele teria contado aos colegas.
— Ele parecia tão assustado quando me contou. Ele disse: “Mamãe, eu sou gay”. Eu pensei que ele estava brincando, então olhei para trás, porque estava dirigindo, e ele estava tão assustado. E eu disse: “E eu continuo amando você” — contou Leia, acrescentando que o filho queria muito contar para seus colegas da escola. — Ele foi para a escola e disse que iria contar para as pessoas que era gay porque estava muito orgulhoso.
As aulas começaram em uma segunda-feira. Quatro dias depois, Jamel foi encontrado morto em casa.
— Quatro dias foi tudo o que durou na escola. Eu nem consigo imaginar o que disseram para ele — lamentou Leia. — Meu filho contou para a irmã mais velha que as crianças da escola disseram a ele para se matar. É tão triste que ele não tenha me procurado.

Arcebispo que pediu renúncia do Papa Francisco diz que corrupção chega ao topo da Igreja

O arcebispo que provocou uma crise na Igreja Católica ao pedir a renúncia do Papa Francisco negou ser motivado por vingança e declarou que tentou mostrar que a corrupção chega ao topo da hierarquia da instituição. O Vaticano não quis comentar as novas acusações de Carlo Maria Viganò.

Arcebispo Carlo Maria Viganó participa da missa de beatificação da beata Miriam Teresa Demjanovich, na Catedral Basílica do Sagrado Coração, em Newark, New Jersey, em outubro de 2014 (Foto: Gregory A. Shemitz/ Reuters)No domingo (26), o antigo núncio apostólico em Washington (posto equivalente ao de embaixador do Vaticano) divulgou um comunicado em que afirma que o papa sabia há anos sobre a má conduta sexual do norte-americano Theodore McCarrick, ex-cardeal e ex-arcebispo de Washington. Segundo Viganò, o pontífice não fez nada a respeito.
"Nunca nutri sentimentos de vingança ou rancor em todos estes anos. Eu me manifestei porque a corrupção alcançou os níveis mais altos da hierarquia da Igreja", declarou o arcebispo ao jornalista italiano Aldo Maria Valli.
Viganò, de 77 anos, vem se comunicando com a imprensa através do jornalista da televisão italiana a que ele consultou várias vezes antes de divulgar o polêmico comunicado no domingo (26), quando o papa estava em visita à Irlanda.
Papa Francisco chega para audiência semanal na Praça São Pedro, no Vaticano, nesta quarta-feira (29)  (Foto: Andrew Medichini/AP)Papa Francisco chega para audiência semanal na Praça São Pedro, no Vaticano, nesta quarta-feira (29)  (Foto: Andrew Medichini/AP)Papa Francisco chega para audiência semanal na Praça São Pedro, no Vaticano, nesta quarta-feira (29) (Foto: Andrew Medichini/AP)
Após a divulgação do documento, a mídia italiana noticiou que ele se aborreceu por nunca ter sido promovido a cardeal pelo ex-pontífice Bento 16 ou porque Francisco impediu seu avanço na Igreja.
No voo de volta da Irlanda a Roma, o pontífice não comentou as declarações de Viganò. Ele afirmou apenas que os jornalistas deviam ler o o comunicado cuidadosamente e decidir por si mesmos sobre sua credibilidade.

Acusação

Viganò, que foi embaixador do Vaticano nos EUA entre 2011 e 2016, afirmou que ele mesmo informou a Francisco, em 2013, que Theodore McCarrick se relacionava sexualmente com jovens seminaristas. "Ele sabia, pelo menos desde 23 de junho de 2013, que McCarrick era um predador”, declarou.
Ele afirmou que o antecessor de Francisco, Bento 16, chegou a punir McCarrick em 2009 e 2010, que foi condenado internamente a uma vida de penitência. No entanto, segundo ele, Francisco reabilitou o arcebispo quando assumiu o papado.
Cardeal Theodore McCarrick com Papa Francisco (Foto: Jonathan Newton/The Washington Post via AP)Cardeal Theodore McCarrick com Papa Francisco (Foto: Jonathan Newton/The Washington Post via AP)Cardeal Theodore McCarrick com Papa Francisco (Foto: Jonathan Newton/The Washington Post via AP)
Em julho deste ano, Francisco aceitou a renúncia de McCarrick, hoje com 88 anos, após uma investigação da Igreja concluir que uma acusação sobre o abuso de um adolescente de 16 anos pelo clérigo nos anos 1970 era "crível e fundamentada”. Desde então, outros homens se apresentaram e afirmaram que sofreram abusos por parte de McCarrick. Um deles contou que tinha 11 anos quando passou a ser molestado.

Arcebispo Carlo Maria Viganó participa da missa de beatificação da beata Miriam Teresa Demjanovich, na Catedral Basílica do Sagrado Coração, em Newark, New Jersey, em outubro de 2014 (Foto: Gregory A. Shemitz/ Reuters)Pedido de renúncia

No final do documento, divulgado no domingo, Viganò pede a renúncia do papa.
"Neste momento extremamente dramático para a Igreja Católica, ele tem de reconhecer os seus erros e, em respeito pelo princípio de tolerância zero que está a proclamar, o Papa Francisco deve ser o primeiro a dar o exemplo aos cardeais e bispos que ajudaram a encobrir os abusos do cardeal McCarrick, e ser o primeiro a renunciar”, disse.

terça-feira, 28 de agosto de 2018

STF analisa nesta terça-feira denúncia por racismo contra Bolsonaro

BRASÍLIA — A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar nesta terça-feira uma denúncia pelo crime de racismo contra o presidenciável do PSL, Jair Bolsonaro. Se a denúncia for recebida, o inquérito será transformado em ação penal e Bolsonaro passará à condição réu. No entanto, isso não terá impacto direto na candidatura dele. Pela Lei da Ficha Limpa, condenados não podem concorrer às eleições. Mas, no caso, Bolsonaro ainda estará respondendo à ação penal. Pelos prazos da lei, a Corte não deverá finalizar as investigações, com a condenação ou absolvição do réu, até as eleições de outubro.

Caso a denúncia seja aceita e Bolsonaro ganhe a eleição, o esperado é que o processo seja paralisado, já que, segundo a Constituição Federal, “o presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”. Surgirá, ainda, outra questão. A Constituição diz que, admitida denúncia contra o presidente da República, ele ficará suspenso de suas funções. Se ganhar a eleição, Bolsonaro já terá a condição de réu. Portanto, o STF terá de decidir se ele poderá ou não assumir o cargo.


Caso não seja eleito, Bolsonaro, que hoje é deputado federal, não terá mais mandato a partir do ano que vem e deixará de ter foro privilegiado. Nesse caso, o processo deverá ser enviado para uma instância inferior e tramitar normalmente.

Se houvesse tempo para concluir o julgamento antes da análise do registro de candidatura, uma eventual condenação de Bolsonaro o tornaria inelegível por oito anos. Entre os crimes que podem fazer com que alguém seja enquadrado na Lei da Ficha Limpa está o de racismo.
Bolsonaro já é réu no STF em outra ação penal, aberta em 2016, por entrevista na qual ele disse que a deputada Maria do Rosário (PT-RS) não merecia ser estuprada. Ao jornal "Zero Hora", ele declarou em dezembro de 2014 que ela era “muito ruim” e “muito feia”, e por isso não seria merecedora do estupro. Na primeira ação penal, o parlamentar responde por incitação ao crime, que tem pena de três a seis meses, e injúria, cuja punição varia de um a seis meses de detenção. Esses crimes não estão listados na Lei da Ficha Limpa. Portanto, mesmo que ele seja condenado nessa ação penal, o fato não o deixará inelegível.

Na segunda denúncia, a Procuradoria-Geral da República (PGR) acusou Bolsonaro da prática de racismo a partir de uma palestra que ele deu no Clube Hebraica do Rio de Janeiro, em abril do ano passado. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, considera que ele demonstrou preconceito contra quilombolas e refugiados, e pediu o pagamento de uma multa por danos morais, no valor de R$ 400 mil. Na palestra, o parlamentar afirmou:
— Eu fui em um quilombo em Eldorado Dourado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriador eles servem mais.
Em relação aos estrangeiros, Bolsonaro disse que o Brasil não pode virar "casa da mãe Joana":
— Não pode a decisão de um governo acolher todo mundo de forma indiscriminada.
Em sua defesa, os advogados de Bolsonaro alegaram que as afirmações não foram preconceituosas ou discriminatórias e, mesmo que sejam consideradas dessa forma, seriam protegidas pela imunidade parlamentar. Pelas mesmas declarações, Bolsonaro já foi condenado, pela Justiça Federal do Rio de Janeiro, a pagar R$ 50 mil por danos morais coletivos para comunidades quilombolas e à população negra em geral, em uma ação movida pelo Ministério Público Federal no estado.

domingo, 26 de agosto de 2018

Os brasileiros que se arriscaram para resgatar e proteger refugiados durante ataques em Pacaraima

Gedeão (no centro) ao lado da esposa, Sandra, e parte dos refugiados que receberam após ataques (Foto: Emily Costa/G1 RR)Na parede de um restaurante em Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, alguém deixou uma mensagem: 'somos todos migrantes'. Foi dessa cidade, no Norte de Roraima, que 1,2 mil refugiados venezuelanos foram expulsos sob um violento protesto de moradores. Uma história já contada em várias partes do mundo. Outra, que poucos sabiam até agora, é que naquele mesmo dia a atitude de brasileiros mudou a vida de 63 refugiados venezuelanos - 47 adultos e 16 criançaAo acordar naquela manhã de sábado, 18 de agosto, o pastor e a mulher, Sandra Vasconcelos, 37, notaram a agitação da cidade. Ouviram fogos de artfício, e chegaram a pensar que se tratava de uma inauguração. Pouco depois foram avisados sobre a manifestação dos moradores.
"Me disseram que a manifestação não estava mais pacífica, que estavam expulsando venezuelanos, colocando gasolina, queimando tudo. [...] quando cheguei lá ouvi dizerem 'vamos para o palco', e me preocupei, porque lá tinham crianças, famílias, que nós ajudavamos, evangelizávamos e dávamos comida. Corremos para o carro e fomos direto para lá".
Steven ao lado da mulher Rosana e dois dos três filhos: 'Estamos muitos agradecidos" (Foto: Alan Chaves/G1 RR)Steven ao lado da mulher Rosana e dois dos três filhos: 'Estamos muitos agradecidos" (Foto: Alan Chaves/G1 RR)
Steven ao lado da mulher Rosana e dois dos três filhos: 'Estamos muitos agradecidos" (Foto: Alan Chaves/G1 RR)
Um vídeo mostra o momento exato em que o palco do Micaraima, antes usado para shows e eventos, é destruído com um trator. Sob aplausos e comemorações de manifestantes revoltados com o assalto a um comerciante brasileiro - crime supostamente cometido por venezuelanos - um homem deixa o palco em ruínas. Depois, os pertences dos refugiados são banhados em gasolina e incinerados.
"Quando chegamos lá estavam a Força Nacional e alguns manifestantes. Conversei com o comandante, perguntei se poderia pegar as crianças que estavam lá embaixo do palco, disse que elas não tinham culpa. Ele disse ‘pastor, você pode pegar, sim, e rápido que a gente não sabe até quando a gente pode segurar esse povo’. Aí eu peguei, comecei a colocá-las no meu carro e na sequência eu liguei para a irmã, falei que estava tudo muito violento, e pedi ajuda”.
O resgate foi feito em partes, levou horas e aconteceu também pelo lado venezuelano da fronteira - o palco fica na divisa entre os dois países. Primeiro os brasileiros resgataram as crianças, depois os adultos. Até um cachorro foi salvo. No tumulto, filhos acabaram separados dos pais que corriam para tentar salvar alguns pertences.
“Ao longo do dia a gente foi escondido, entrando por trás, por dentro da Venezuela e resgatando crianças e adultos também. Foi uma correria”, relembra o pastor que também teve medo de ser alvo dos manifestantes. "Foram 63 pessoas que acolhemos ao todo. A compaixão venceu o medo".
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"Teve uma hora em que não aguentei. Todos choravam. As crianças, a missionária que me ajudava e eu", relembra Gedeão Vasconcelos, um ex-traficante e hoje pastor da igreja batista. "Tive que ter forças, pedir a Deus. Tem horas em que a gente não aguenta, é ser humano".
"Quem nos ajudou são pessoas de bom coração, muito diferente das pessoas que chegaram ao palco naquele dia, mas são todos brasileiros", diz Steven.
Em pouco tempo, a casa em que Gedeão e a esposa moram há três meses (e cedida pela igreja) se encheu. Outros venezuelanos que souberam do refúgio bateram à porta e foram acolhidos. Missionários ligados à igreja também abriram suas casas para abrigá-los e reuniram doações de roupas e alimentos.
“Tudo começou numa manifestação pacífica, boa, que tinha que acontecer, mas que acabou sendo muito violenta. Lá [no protesto] havia pessoas que tinham sido vítimas de venezuelanos. Assim como há brasileiros ruins, bandidos, também têm venezuelanos maus, bandidos, que fizeram coisas más em Pacaraima, mas não se pode generalizar".
Diana Perez, 19, e a tia Yusbeli Bolivar, 33, encontrariam abrigo e proteção na igreja."Saímos correndo para cá e nos deram refúgio. Abriram as portas para nós”, contam.
Rastro de destruição no palco do Micaraima: 79 venezuelanos viviam lá até o sábado (18) (Foto: Alan Chaves/G1 RR)"Eu diria que, não é que eles [manifestantes] tenham razão, mas eles sentiram ira porque em vez de vir procurar trabalho, alguns [venezuelanos] vieram roubar. Não compactuo e nunca agiria dessa forma", lamenta Diana, que chora ao lembrar da mãe e do sobrinho que ainda vivem na Venezuela. "Me preocupo muito com eles".
"Assim como existem pessoas inocentes, sobretudo as crianças, há também os culpados. Eu peço a Deus para que tudo volte ao normal e tenham misericórdia de nós”, diz Diana.
Natália Cardoso, uma das missionárias que ajudou no acolhimento dos venezuelanos, viajou de Boa Vista a Pacaraima levando doações para os refugiados.
"Foi muito impactante chegar na igreja e encontrar as crianças e os familiares. Eles ainda estavam um pouco abalados, assustados, mas a gente pode ver que eles sentiam que já estavam em segurança. Encontrei amor e acolhimento lá".

Cenário de guerra

Debaixo da estrutura de metal do palco do Micaraima, ao menos 79 venezuelanos viviam acampados. As condições eram precárias. Não tinham banheiros e nem água encanada. Havia mulheres grávidas e até bebês.
"Viviam ali como bichos, andavam abaixados porque o 'teto' era baixo. Comiam coisas do lixo, e passavam fome", relatam Gedeão e a esposa, que, junto com outros membros da igreja, costumavam distribuir refeições e evangelizar, principalmente, as crianças.
"Aos 13 anos vivi em um lixão, e passei fome, sei o quanto ela dói", relembra Sandra.
Em parede de restaurante, um rabisco chama atenção (Foto: Emily Costa/G1 RR)Em parede de restaurante, um rabisco chama atenção (Foto: Emily Costa/G1 RR)Em parede de restaurante, um rabisco chama atenção (Foto: Emily Costa/G1 RR)
Hoje, o palco mais parece um cenário de guerra: uma boneca de plástico sem roupas e com os cabelos desgrenhados, roupas queimadas e até uma fralda. São as pistas de que um dia lá já houve vida - apesar de em condições precárias.
"As pessoas descarregam sua dor, seu sofrimento em cima de outras coisas. Elas não direcionam para o que é de direito. Ela vai lá para o mais pobre, para o mais vulnerável. É preciso cobrar para quem é de direito, que são os gestores, os governantes", avalia Francilene Rodrigues, professora e pesquisadora da UFRR, acerca do protesto em Pacaraima.
Para ela, os ataques na fronteira foram uma expressão de 'muita xenofobia' estimulada e alimentada pelo discurso anti-migração defendido por políticos das eferas municipal, estadual e federal.
"Roraima é feita de migrantes. Para cá vieram os maranhenses, os cearenses fugindo da seca. As pessoas estão esquecendo de onde elas vieram e por que elas vieram".